quinta-feira, dezembro 21, 2006

Carta para Ninguém


Olha para trás, esta é uma luta onde não se pode parar!



Um dia a mais, mais dia, menos dia. Noite, uma beata com o filtro queimado atirada por aquele que quer morrer jovem. Acredita em mim, eu faço tudo que tu quiseres, acredita em mim, eu sei, nós temos que estar juntos. Acredita em mim, eu vou estar contigo nesta luta, dá-me tudo aquilo que me podes dar.


Eu desligo a televisão para te escrever uma carta, para te dizer que já não consigo olhar para este nojo. Para te dizer que já não tenho forças, para te dizer que já quase me esqueci, mas não me esqueci de ti. Para te dizer que o telefone tocou, e queria que eu me levantasse, ou antes começasse a correr. Mas eu mandei-o dar uma volta, disse que eu estava doente e cansada, que não tinha dormido ainda. Eu estou a espera de uma resposta, esta mais um ano quase a passar, pelo menos temos sorte com o tempo já é o quarto dia que chove, apesar de terem dito na rádio que vai estar calor até na sombra, bem, pelo menos a sombra onde estou está quente e seca, por enquanto, mas por enquanto eu tenho medo. E os dias passam uns atrás dos outros, passamos um dia a comer e três a beber, mas mesmo assim, vivemos felizes, apesar de estar a chover lá fora. O meu gravador avariou-se e eu estou aqui sozinha com o silêncio, e isso até me agrada. O meu comboio está parado, há demasiado tempo, tenho que partir, já é tempo. O vento lá fora está á minha espera e o Inverno começou e há de acabar, o mal é todo da mente não fiques triste sorri.


Eu sonhei que o mundo era governado pelo amor, que era governado pelo sonho e que uma estrela está por cima disso tudo. Eu acordei e percebi que estamos perdidos. Mas eu hei de voltar, rica ou pobre, morta ou viva, eu hei de voltar para casa e hei de estar contigo, enquanto esta estrela estiver sobre nós, pois só ela pode ajudar nesta noite sombria. Será que eu devo viver numa cidade, ou talvez no campo? Será que eu devo brilhar como uma estrela ou ficar parada como uma pedra? Meu sol! Olha para mim!


As minhas mãos estão fechadas e preparadass para a luta, se tens pólvora, dá-me lume, eu rebento. Pois é, e quem irá seguir o caminho solitário, todos os corajosos e fortes já tombaram na guerra, Olha para mim meu Sol! Os meus punhos estão prontos para lutar! Onde está a liberdade livre? Estará a ver o nascer do sol com quem? É bom estar contigo mas é tão mau estar sem ti. Eu sou a pólvora dá me lume e eu rebento. E mais um dia começa, e os carros andam de um lado para o outro. Se o sol não tem preguiça de se levantar, eu também não hei de ter. É como um formigueiro que vive, se uma formiga partir a pata, não conta se passar passou, se morrer morreu. Eu não gosto que me mintam, mas estou farta de ouvir a verdade, Nós podíamos travar uma guerra contra aqueles que estão contra nós, porque aqueles que estão contra aqueles que estão contra nós precisam da nossa ajuda.


O nosso futuro é um nevoeiro, o nosso passado ora parece um paraíso ora o inferno. O nosso dinheiro pode não caber no bolso mas há de chagar a manhã, e nós temos que acordar. Nós sabemos que sempre foi assim, que o destino ama mais aquele que vive de acordo com outras leis, não se lembra da palavra sim nem da palavra não, não se lembra de estatutos nem de nomes e é capaz de alcançar as estrelas sem saber que isso é um sonho, e cair queimado pela estrela que se chama sol. E os nossos rios não têm água, das nossas janelas não se vê o dia e a nossa manhã é como a noite. Nós perdemos os nossos guias ao longo desta luta e quando chegar o tempo de nos poremos de pé, ficamos sentados. Vai brincando, vai, mas olha que está história não tem um final feliz. E começa mais um dia, a manhã entra pela nossa casa dentro e o telefone já não toca, está desligado. E outra vez não há sol no céu, a luta outra vez, cada um por si mesmo, e parece-me que o sol não passa de um sonho, mas as árvores estão contaminadas, e as folhas que baloiçam lá no cimo hão de cair. Lá do outro lado da janela a história não tem um final feliz.


E ela há de chegar e dizer: Vamos! Devolve o corpo à terra! Mas o corpo ainda não contou tudo, ainda não recebeu todo o amor. Esta história é estranha; eu tenho uma casa mas não tenho chaves, eu tenho um sol mas ele está entre as nuvens, tenho cabeça mas não tenho ombros mas eu vejo um raio de sol a cortar as nuvens. Eu tenho uma palavra mas ela não tem letras, tenho uma floresta mas não tenho machado, tenho tempo mas não tenho forças para esperar e ainda tenho uma noite mas nela não há sonhos. E ainda tenho muitos dias brancos e montanhas e muito gelo, mas o que eu preciso é de algumas palavras e de alguns passos em frente, e eu fico a olhar para um céu que não é meu, de uma janela que não é minha e não vejo nenhuma estrela que eu conheça.


Já andei por todos os caminhos para lá e para cá mas quando me voltei não vi pegadas, mas se tenho no bolso um maço de tabaco, quer dizer que nem tudo está mal hoje. E se tivesse um bilhete para um avião de asas prateadas que ao levantar deixasse na terra apenas a sua sombra. Os cabos tremem, o choque passa pelas mãos o telefone diz em todas as vozes que está na hora. E o meu casaco e as minhas luvas dizem para esperar até de manhã, mas um estranho bater diz que tenho que ir! Pode ser o bater do coração ou o bater à porta, mas quando eu me voltar para ti à saída vou dizer apenas uma palavra, acredita. E lá vou eu outra vez, e outra vez comboios e não consigo dormir, mas entre o bater consigo distinguir uma palavra, Adeus! Eu vejo nesta terra fria uma cidade grande cheia de luzes e barulho dos carros e a noite está sobre a cidade e sobre a noite está a lua que hoje está vermelha como uma gota de sangue.


Esta ali uma casa com a luz acesa, da janela da casa vê-se o longe, mas de onde é que veio está tristeza? E até estou viva e de saúde e a vida até nem é um sacrifício, mas de onde é que veio esta mágoa? À volta está tudo belo não se vê nada. E toda a gente grita e toda a gente corre e sobre isso tudo levanta-se o sol. A terra está gelada, onde quer que toques é tudo gelo, apenas no meu sonho existe música, e a neve cai como uma parede branca, a neve cai o dia todo, e de trás desta parede há de vir Abril, e ele há de chegar e trazer atrás de si a primavera e expulsar os exércitos de nuvens negras, mas quando olharmos para os olhos dele, de lá a saudade há de olhar para nós. No entanto as portas de casa vão se abrir, e aí quando olharmos para os olhos dele haveremos de ver a luz do sol. O meu corpo está ferido, cada passo pesa, apenas a estrela que arde no meu peito me sustenta, mas Abril há de morrer e há de nascer outra vez, e o que é que nós temos? Em vez de fogo dão-nos fumo. O sol vermelho arde até ás cinzas e os nossos corações exigem mudanças, os nossos olhos exigem alterações, no nosso rizo e no choro e no pulsar das nossas veias nós queremos coisas diferentes. A luz eléctrica faz o nosso dia seguir. Mas na nossa cozinha de uma janela azul aparece a noite. Temos um cigarro na mão e o chá está na mesa. Mas sobre a cidade em chamas a noite cai e não existe mais nada está tudo em nós.



Nós não nos podemos gabar de olhares sábios nem de gestos supremos nós não precisamos disso tudo para compreender um ao outro. Temos um cigarro na mão e o chá está na mesa. E o círculo fecha-se e de repente nós temos medo de mudar seja o que for. Mas o nosso coração exige mudanças e os nossos olhos continuam a querer ver coisas diferentes. Mostra-me aqueles que têm confiança no próximo dia, são aqueles que morreram nesta viagem, mostra-me aquele único que sobreviveu, mas alguém tem que ser a porta e alguém há de ser a fechadura e alguém há de ser a chave. A luta não para, entre o céu e a terra a luta não vai parar. Existem pessoas para as quais existe o dia e a noite, algures existem pessoas que têm filhos e filhas existem aqueles para quem a teoria está correcta, mas a noite é curta e o objectivo está distante.


À noite tens sede, vais á cozinha, mas a água aqui está amarga, tu não consegues dormir aqui, tu não queres viver aqui. Eu queria estar sozinha mas isso passou rapidamente, eu queria estar sozinha mas não consegui estar sozinha, o meu fardo é leve mas a mão fica dormente e lá vou eu encontrar uma manhã a jogar à sueca. E digo bom dia a todos aqueles que são como eu. De manhã estás sempre com pressa, o telefone dá-te o comando: Em frente! E vais tu para onde não te apetece ir, e lá vais tu mas ninguém te espera. E os teus passos esperam um lugar quente na rua. Foi um gatilho não apertado a tempo. Deseja-me sorte nesta luta.


Eu tenho com que pagar mas eu não quero a vitória a qualquer preço, eu não quero pôr o pé no peito de ninguém, eu queria ficar contigo, simplesmente ficar contigo, mas aquela estrela alta no céu chama-me para seguir viagem. É uma mancha de sangue é o teu código é o teu número é o teu sangue, Deseja-me sorte, sorte nesta luta. Quando as sementes caem na terra as sementes pedem chuva, elas precisam de chuva. Corta-me o peito, olha lá para dentro, vais ver está tudo a arder em fogo, daqui a um dia vai ser tarde, daqui a uma hora vai ser tarde, daqui a um mero momento já não me vou conseguir levantar! Se as chaves não servem para a porta, temos que arrombá-la. Eu aperto aço na mão e bato, o que pode ser fatal, mas em vez de sangue nas veias circula veneno, eu tenho que ser forte, saber dizer tira as mãos, tira as mãos de cima de mim, eu tenho que ser forte senão não vale a pena ser.


O que é que vão custar centenas de palavras quando o importante vai ser a força da mão, e aí fico parada á beira do mar, e penso nadar ou não. Espera não te vás! Estava à espera do verão mas chegou o Inverno. Todos os dias nos esperamos o dia seguinte e escondemo-nos por detrás das cortinas dos anos! Nós tínhamos sede mas não havia água, nós queríamos luz mas não havia nenhuma estrela, nós queríamos dormir mas não tínhamos sonhos. E agora o que é que nós temos nos olhos? Temos gritos: Em frente! Temos Gritos: Espera! Temos o nascer do dia e a morte do fogo, nos nossos olhos temos um paraíso perdido, temos uma porta fechada, escolhe o que quiseres. E continuamos a sair á rua e a beber água das poças sujas.


Os telhados das casas tremem sob o peso dos dias, Um pastor celeste pasta as nuvens, a cidade atira para a noite uma balada de luzes, mas a noite é mais forte, o poder da noite é imenso, desejo boa noite a todos os que vão dormir. Eu esperei tanto por este tempo, e agora ele chegou, aqueles que estavam calados começaram a falar, aqueles que não têm por que esperar dão rédia aos cavalos, E já não os apanhas, mas todos aqueles que vão dormir que tenham uma noite calma, aqueles que não têm por que esperar seguem viagem e ficam a salvo ninguém os apanha. Mas a noite é curta e tu não consegues alcançar o objectivo.


Eles dizem que não podem arriscar porque têm uma casa mas eu não sei quem é que tem razão, a mim espera-me a noite na rua a eles espera o almoço em casa, e se algum dia te fartares dessa luz confortável, tens espaço aqui, a chuva chega para todos, fecha-me a porta atrás eu vou-me embora. Aquele que fugiu aos quinze anos de casa nunca há de compreender aquele que tirou um curso profissional, aquele que tem um plano definido para a vida, não há de pensar noutra coisa. Nós bebemos chá em casas velhas e ficamos á espera que chegue o verão, muitos dizem que nós estamos juntos, mas em que junta estamos poucos sabem. Contudo, vai saindo um fumo fora do normal da nossa chaminé, esta zona é perigosa, trabalho do cérebro. A neve das ruas já não é branca e nós vemos o reflexo da lua nas poças sujas, e os nossos dedos gelados partem os fósforos que podiam acender fogueiras


E nós damos um passo numa ponte que ainda não está acabada, nos acreditamos nas estrelas, nós somos fortes e bravios, experimenta ficar do meu lado. Nós nascemos em pequenas casas de bairros apertados e queremos ver para além das janelas das casas da frente, e nós vamos provar os nossos direitos, somos nós que tomamos conta do próximo acto Eu perdi a inocência em que se sente medo do amor e agora sou eu que vou actuar porque a roupa que foi feita para mim já me está pequena, porque eu cresci, e agora o acto é meu, mas...


Entre as cordas vocais um grito está feito num nó, porque chegou a altura em quer grites ou não, apenas mais tarde alguém há de se lembrar dos lutadores que limpavam as suas espadas na erva molhada, e de um bando corvos pretos que batia as asas, como se ria o céu mas depois trincou a língua, e as mãos daqueles que sobreviveram tremiam, e de repente um momento tornou-se uma eternidade. O por do sol ardia como os fogos de um funeral e as estrelas olhavam como lobos lá de cima, olhavam para aqueles que partiram para a noite, ali estendidos no chão, e para os vivos que dormem sem ver sonhos.


Murmurei a mim apenas para seguir em frente, e quando chegou a altura eu disse adeus, eu não sabia que era uma lutadora e não fazia ideia que soldado sou, mas eu senti o fim próximo quando fiz o meu primeiro passo, mas isto não é um sacrifício, nem é uma alegria, eram apenas os primeiros dez passos para uma luta interminável, e eu conseguia ouvir os gritos dos meus inevitáveis inimigos, mas eu só queria passar aqueles dez passos, aquele que deixa a sua casa fica indefeso dos novos deuses. E devemos estar prontos para a morte a dez passos porque são apenas dez passos entre a guerra anterior e nova guerra, são apenas uma serenidade antes de uma batalha que, nós podemos vencer ou não.


A minha estrela está sempre comigo, ela arde dentro de mim, e diz espera, espera mais um pouco, nós temos um longo caminho a percorrer, a minha estrela ouve-se na noite e o seu fogo arde em mim, a sua luz não ilumina, a estrela não aquece, mas leva-me para o norte longínquo e nunca há de dizer que sim, nunca há de confiar num milagre, nem oferece uma gota que seja, de luz, não dá calor a ninguém e é por isso que eu gosto dela, e é por isso que eu gosto dela sempre, mas ela não me ama em contrapartida, a estrela brilha no meu peito, cada vez, ela arrisca, e nós voamos as duas e falamos disto e daquilo falamos do tempo em que passamos o norte frio, a estrela não aquece ninguém, não dá luz a ninguém, ela leva todos para o seu objectivo e diz: desculpa, adeus, eu vou-me e repete cada vez a mesma história, como ela voa e deixa para sempre, e é assim que ela me vai enterrando.


Vida é apenas uma palavra, existe a morte e existe o amor, pela morte vale a pena viver e pelo amor vale a pena esperar.



 

domingo, dezembro 17, 2006

Afinal, para que serve o Natal?

Não sei o que significa para si o Natal. Para mim o Natal significa Passagem de Ano.


Quando eu era pequena, onde eu vivia não havia Natal, havia apenas o Ano Novo. No entanto havia prendas e havia um pinheiro decorado com papel colorido, biscoitos, rebuçados e tangerinas. As pessoas juntavam-se para festejar! Viam todos os anos, a mesma comédia que passava na televisão. À meia-noite saíam para as varandas ou subiam aos telhados dos prédios para ver o fogo de artificio. E toda a cidade gritava em coro “Urra!!!”. Depois desciam todos à rua e andavam de trenó até não poder mais, e a neve que entrava pela gola do casaco parecia quente. As prendas não vinham em papel de embrulho colorido cheias de laços. Lembro-me de receber, enrolado em papel de jornal, um sabonete e uma pasta de dentes. Lembro-me também de fazer papel marmoreado com a minha mãe para colorir as prendas de Ano Novo.

O pai natal chamava-se avô gelo, e aparecia vestido de azul, numa carroça trenó puxada por cavalos brancos. Tinha uma neta que o ajudava a distribuir as prendas e enfeitar as casas e os vidros com ornatos de gelo.


Em Portugal é tudo diferente, as prendas dão-se no Natal. O Natal significa reunião de família. A minha família cá, eram pessoas que mal conhecia. Nunca entendi por que razão tinha que abdicar de estar com todas aquelas pessoas amigas, de quem gostava na Rússia. Ter que estar agora com gente que não conheço, que nunca senti gostarem de mim. Por que razão não iam todos, brincar para a rua depois da festa? Eu não gostei do Natal! Gostava da Passagem de Ano. Era uma festa divertida, estavam todos juntos para se divertirem!

O primeiro Natal foi um choque. Depois tornou-se numa rotina anual. Trocávamos de ano para ano. Num ano passava a véspera com a minha mãe e a família do meu padrasto, e o dia de natal com o meu pai e a família da minha madrasta, no ano seguinte era ao contrário. De qualquer das formas era uma maçada. Depois mudaram os tempos, o Natal continuou a ser uma maçada. Chegaram os anos em que ninguém me convidava para passar o Natal. Passei o Natal com uma família que não era minha, que não me transmitia nada para além da piedade de não me deixarem passar o Natal sozinha. E era o que eu mais queria, passar o Natal sozinha.


Enquanto era criança havia a magia dos presentes. Não de receber mas de dar. Sempre adorei dar presentes. Fazer uma lista, comprar presentes a pensar nas pessoas que os iriam receber, e depois ficar ansiosa à espera que chegasse o dia de os oferecer e ver as pessoas felizes que os iriam abrir. Não sei por que razão, conforme fui crescendo os meios financeiros para os presentes desapareceram. Desapareceu a magia do Natal quando deixei de poder ver as pessoas a abrirem os meus presentes, junto com outros, quando deixei de abrir os meus presentes junto com os outros.

Voltei à Rússia, voltou aquela Passagem de Ano. Mas os tempos mudaram, voltou-se a festejar o Natal na Rússia. As pessoas já não sabiam em que altura é que deviam oferecer os presentes. O Ano Novo era festejado com a mesma alegria. As pessoas continuaram a sair à rua para festejar a chegada do novo ano, porém infiltrou-se um veneno. Será que alguém entende o que é realmente o Natal? Por que razão é que para a maioria das pessoas o Natal é um frete? É uma correria porque é preciso escolher presentes e não se sabe o que se vai oferecer. È uma preocupação porque os avós vêm do campo passar este tempo em casa da família dos filhos que moram na cidade e é preciso arranjar lugar para eles em casa.


É uma separação porque os filhos devem estar ao mesmo tempo com o pai e com a mãe que já não estão juntos. É uma fadiga porque é preciso preparar os comeres da festa e há sempre alguém que se enfia na cozinha e quando chega a hora da ceia morre de cansaço, porque depois das festas é sempre preciso arrumar o que se desarrumou. É um abalo da rotina diária. O Natal é um aumento de tarefas nas vidas das pessoas que, já assim, mal conseguem gerir o seu tempo. E o que fazem as pessoas? Em vez de aproveitarem este tempo como uma escapatória da rotina, encaram-no como um frete. Em vez de se juntarem todos na cozinha e se divertirem a fazer a ceia, isolam-se dizendo que “dá tanto trabalho”. Só se juntam à mesa, e já nem sabem do que falar porque a única coisa de que querem falar é da vida difícil que levam. Mas neste dia não é “suposto” falar de coisas tristes, é “suposto” dizer uns aos outros que se ama o próximo e a vida. Então, dizem-no mas não o sabem sentir, repetem as mesmas frases feitas que soam a plástico. E mesmo querendo mostrar o coração raramente o mostram, porque já se tornou costume dizer palavras pré fabricadas nesta época.



Do ponto de vista religioso o Natal é a festa do nascimento de Jesus. Para mim os factos descritos no evangelho ou na bíblia não são importantes. O que é importante é a imagem. O que significa para nós o nascimento de Cristo, o que devemos festejar? Com o nascimento de Cristo temos uma nova era. Diz-se que antigamente as pessoas eram mais cruéis. Este nascimento separa o velho testamento do novo testamento. Marca uma evolução da humanidade, um aumento do grau de consciência das pessoas. Eu digo que para mim o Natal significa Passagem de Ano. Significa deixar para trás tudo o que está gasto, largar aquilo que não se realizou neste ano. É uma oportunidade de dizer às pessoas que não receberam a devida atenção da minha parte, que ainda me lembro delas, e que estou feliz. É ver para além do que não se fez, aquilo que realmente foi bom este ano e valorizar o que se fez. É estar contente por poder desejar um dia feliz a pessoas que provavelmente não tiveram direito a uma única palavra durante todo o ano. Sem remorsos porque o importante é hoje, não devíamos estragar o que pode ser bom hoje por aquilo que aconteceu ontem. O Natal finaliza o ano, é neste dia que nos reunimos e partilhamos tudo aquilo que fizemos desde o último Natal, com os nossos entes mais queridos.

Este ano ganhei e perdi. E foram tão grandes as perdas como os ganhos. Este ano não vou comprar prendas de Natal. Este ano vou dar às pessoas de quem gosto aquilo que tenho de mais valor: as palavras que traduzem o que eu sinto por elas.

Penso que as crianças entendem o que é realmente o Natal!



 

domingo, dezembro 10, 2006


Uivam lobos pelas matas
Lua cheia vai no ceu
Sua luz invade a alma
Noite escura ergue o véu
Na floresta velhos troncos
Deitam sombras no luar
Na floresta velhos lobos
Nunca param de uivar
Estende a sombra os seus ramos
Comos cobras pelo chão
Mas por cima brilha a lua
Prateando o que é teu.
Bate forte o coração
Hesita o sono, uiva a alma
Como um lobo
Triste e calma....

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Ciclo - "De alegria a alegria"



Ainda me lembro, e tão claramente, aquela tarde da primeira semana da Quaresma em que as missas são tão longas que se parece viver na igreja durante esse tempo. Um silêncio absoluto invade o convento dessa semana de início da primavera, e nesse silêncio parece ouvir-se as folhas das árvores a rebentarem depois do Inverno frio e ventoso. Não há movimento no ar tudo parece calar-se nesses dias, apenas os pássaros cantam, dando ao ambiente uma sensação de paz e harmonia em que se consegue penetrar nos mais belos recantos da natureza que não conseguimos observar em outra altura devido á confusão do dia a dia.
De madrugada o sino da igreja interrompe o curto sono das freiras, está escuro o silencioso ar, nada distrai a mente. Levantando-se elas seguem serenamente para a igreja. A missa começa, o canto do coro monótono mas tão belo, eleva a mente guiando-a ao longo da jornada que deve percorrer ate às profundezas da alma, tudo o resto se ausenta, existe apenas a alma, o espírito. Os pássaros, esses como que ouvindo o coro depois das longas orações matinais, acompanham-no, trazendo no seu canto a luz do dia. Em redor tudo se encontra plácido e misterioso. A Quaresma.

Desaparece, de repente, a agitação na cozinha, não se acende o fogão, não se põe a mesa. Silenciosamente, as irmãs, saindo da missa, passam pela cozinha, levando aquilo que será a sua refeição de hoje, uma fatia de pão, uma peça de fruta. E a cozinha fica de novo deserta até ao dia seguinte. O sol já vem alto e nenhuma nuvem se atreve a incomodar o céu que também parece estar em reflexão consigo mesmo. Não se ouve nenhuma palavra. O canto do coro e as orações continuam a soar em cada movimento. Num andar cuidadoso as irmãs seguem para as suas celas onde permanecem em meditação até a missa da tarde.
O final da missa é acompanhado por uma leve brisa que ira trazer a noite, as irmãs dispersam-se sem levantar o olhar, pelo imenso jardim que rodeia o convento, passeiam-se por entre as árvores como sombras, vestidas de preto em passos leves, parecendo pairar sob o solo. Por fim encontrando-se na solidão apreciam as maravilhas da natureza criada por deus, reflectindo sobre a sua alma.
Um tronco de árvore, outrora caído em dias de tempestade, torcido e deformado pela imensa força daqueles ventos, repousa agora ao lado do rio, que traz um delicado cheiro a lodo, deixando para trás um pântano coberto de junco seco que atingido pela brisa, deixa no ar um sussurro, entra em sinfonia com o canto dos pássaros.

Esse magnifico canto de milhares de pássaros, em que todos eles parecem formar uma orquestra. Uns começando baixinho enquanto outros apanham a melodia e a elevavam num enorme concerto de imensas vozes, tonalidades. Até os corvos parecem completar aquela melodia, um galo canta na aldeia vizinha, e até esse tem o seu papel nessa sinfonia.
Do outro lado do pântano, um bosque. As árvores ainda sem folhas, cinzentas e assustadoras caíam lentamente na sombra da noite, enquanto do outro lado do horizonte num céu purpúreo, o sol desaparecia atrás da colina. Tocou o sino da igreja, e num pequeno intervalo de tempo começou também a tocar o sino da igreja da aldeia vizinha. Os corvos pretos, pousados no campo do lado oposto do rio levantaram voo cobrindo o céu, cor de sangue e, como que atraídos pelo sino, voaram em direcção à aldeia. Nesse curto tempo todos os pássaros se calaram, toda aquela magnifica orquestra se silenciou, até ao próximo nascer do dia. A noite tomava o seu poder, a noite trazia o descanso e a consciência de que amanhã seria outro dia igual a este, e que muitos outros dias serenos e belos viriam ainda. Substituindo a Quaresma viria a Semana Santa, com as suas belas missas cheias de dor e alegria, cheias de velas e flores, e logo…A Páscoa, com toda a sua alegria e esplendor, soltando as alegres vozes que se mantinham fechadas no peito durante semanas, deixando tocar todos os sinos ao mesmo tempo durante todo o dia, toda a semana, e comer tudo o que pode apetecer, despertar com o nascer do sol, e poder passear sob as árvores já cheias de folhas. Esses maravilhosos dias…
Mas… Porquê? Serão eles diferentes dos outros? Para se viver o ano todo á espera que eles cheguem!

A Quaresma ia passando, já não era a minha primeira Quaresma no convento: Lembro-me da alegria que senti ao cantar a missa da Páscoa pela primeira vez, sabendo o que significava. O mais importante acontecimento na vida cristã. Tanta luz, tanta alegria. E, depois passa, passa a Páscoa, a Sta. Trindade, a preparação para a festa dos Apostolos Pedro e Paulo, vem o Verão, com o seu congresso de canto, que significa ainda menos sono, o organismo fica esgotado. A preparação para a festa da Nsa. Sra., as árvores deixam cair as suas folhas, o Outono, trazendo o os preparativos do Natal. O Natal, que também promete ser um oásis na vida quotidiana do convento, mas que passa num dia de chuva deixando apenas as arrumações depois da festa. E lá começam aos poucos os preparativos da Quaresma, que significa Páscoa, alegria. Contudo, não me alegra, não me alegra a Páscoa quando ela chega, pois significa o início desse ciclo que nunca acaba, que se repete inúmeras vezes ao longo da vida de uma freira. As pessoas vêem e vão, e nós ficamos, agarradas a esse ciclo, pois a nossa missão é mantê-lo intacto.























Já houve um tempo
Em que o frio atava os braços
E o Inverno era um muro
Já houve um tempo
Em que o passo inseguro
Atava laços sem futuro

Já houve um tempo
Agora ele é escasso
E o futuro era um traço
Que hoje eu faço na areia
Onde amanhã o mar passeia

Já houve um tempo
Em que o passado
Foi mais presente que o presente
Enquanto esse era transparente

Já houve um tempo
Em que a alegria
Fitando-me no dia a dia
Não se chegava perto
Em que a felicidade me temia.

Já houve luz e escuridão,
Já houve mágoa e paixão
Já houve um tempo
Em que o horizonte era chão.
Um tempo sim
Um tempo não

Mas o agora é que esta na moda
É ele que amanhã anda à roda
E solta os braços
Já houve um tempo
Agora está na hora.