quarta-feira, novembro 23, 2005

O projecto aniquila o vazio

Desde a sua formação até hoje, a Terra já sofreu muitas mudanças, e as formas vivas conseguiram sempre, de uma forma ou de outra, sobreviver a essas mudanças, por vezes, drásticas. Mas a grande diferença que existe entre as modificações atmosféricas ocorridas em épocas geológicas remotas e as actuais, é que aquelas eram inerentes, se assim se pode dizer, ao próprio programa da natureza, ao passo que as nossas são externas, ou seja, produzidas por esse sistema "secundário" e autónomo que é a civilização humana.
Não gosto da palavra "culpa", em vez dela prefiro usar o termo "responsabilidade". O sentimento de culpa pode esmagar-nos, ao passo que o sentimento de responsabilidade nos incita mais facilmente a agir.

Há mais de um século que a exploração económica e a destruição andam a par, e o homem é o único responsável por essa exploração e degradação do nosso planeta; em vez de cuidar dele como de um bem que lhe foi confiado, considera-se o rei, com liberdade para dispor a seu bel-prazer de tudo o que existe. Um rei que, no entanto, se esqueceu de que também vive do ar, de água e do alimento que lhe é fornecido pelos animais e pelas plantas, e de que, quando deixar de haver ar, deixará de haver água, e também ele, o rei, deixará de existir.
Não será que tudo isto possui uma arrogância insolente e louca?

Quando penso no período histórico que estamos a viver, vem-me sempre à ideia a imagem da linha de crista de uma cadeia montanhosa. o espaço é estreito, de ambos os lados há abismos, para não pormos um pé em falso temos de nos concentrar, continuar a caminhar, sem distracções.
A época das ideologias e dos grandes sonhos utópicos terminou. Em vez das ideologias e dos sonhos, surgiu um vazio e esse vazio mete medo.
Esse vazio pode ser preenchido seja com que for, com desperdício, com destruição - mais uma vez! - ou com um projecto.
Usa-se pouco esta palavra, que é tão bonita. No projecto não há a grandeza do sonho ou da utopia, o projecto é "doméstico", acessível.
O projecto constrói qualquer coisa, mas fá-lo lentamente, com paciência, responsabilizando-nos pelas nossas opções.
O projecto não promete uma ordem nova e extraordinária, e, precisamente por isso, está isento de exaltações e de fanatismos. O projecto não está ligado a povos, nações ou etnias, está ligado a indivíduos, o seu eventual fracasso não se pode atribuir à história, ao capitalismo, ao fascismo ou ao comunismo, mas apenas a nós mesmos.

O que significa ter um projecto?
Significa apenas imaginar uma forma diferente de viver e pô-la logo em prática sem delegar nada em ninguém, agindo simplesmente.
Na tal linha de crista, o projecto é a pequena faixa de terra em que pomos os pés. É pequena, mas pode aumentar. Quantos mais projectos há, menos espaço fica para o vazio. Acredito piamente nesta pequena-grande revolução, a revolução da responsabilidade individual.
De vez em quando, fecho os olhos e tento vê-la: não há hinos nem bandeiras, o que há são umas luzes minúsculas que se vão acendendo umas a seguir às outras. Não há faróis eléctricos, há tochas ou velas, chamas que oscilam, iluminando as trevas da noite em redor.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Confusão

...Há uma grande necessidade de diálogo, de confronto, e existem muito poucos espaços para o fazer. Há muitos que gritam e poucos que falam. Tive então a ideia de uma janela, de um espaço que abre para fora do quarto e deixa entrar o ar fresco. Gostei desta ideia...

Mais uma vez, o ambiente bucólico enebria-me a alma como um narcótico.

sexta-feira, novembro 11, 2005

"Que mágoa tens tu no coração?"

Pergunto-me, constantemente, em silêncio, observando olhares de desalento, que espécie de magoa é esta que contagia milhares de pessoas! Faço esta pergunta com o intuito de receber alguma resposta com meros gestos ou expressões que transmitam sentimentos, quem sabe até telepáticamente... mas poucas conclusões retiro.
Penso, então, no esquecimento a que está votado o enorme património de conhecimentos a todo o tipo de níveis.
Penso e repenso...

O afastamento do homem em relação à natureza foi um dos fenómenos mais notáveis da 2ª metade deste século. Em algumas dezenas de anos, a transferência maciça de pessoas do campo para as cidades pulverizou as raízes camponesas da nossa sociedade. Famílias que viveram durante séculos com um determinado sistema de valores, viram-se atiradas para um mundo novo, um mundo feito de cimento e de espaços estreitos, de convivência forçada, de ausência de silêncio e de superabundância de objectos. O preço dessa separação já começa a revelar-se. E fá-lo de uma forma subtil e perigosa, através da ruptura do equilíbrio do corpo.

Os sinais desse desequilíbrio saltam à vista de toda a gente: alergias de todos os tipos, doenças e perturbações cada vez mais estranhas perante as quais a ciência médica só consegue adiantar hipóteses. Já para não falar de uma autêntica epidemia de distúrbios psicológicos: ansiedades, fobias, depressões, estados de profunda apatia. Distúrbios que nos levam a mergulhar num mar de medicamentos, sem querermos saber se damos cabo do estômago e do fígado: o importante é deixarmos de nos sentir mal.

Por que é que ninguém pensa que muitas dessas doenças não passam de campainhas de alarme que assinalam um mal-estar, uma dificuldade de comunicação entre a alma e o corpo?
Continua-se a procurar - cada vez com maior afã e com sistemas de análise extremanente sofisticados - uma causa mecânica ou química para esse mal-estar. No entanto, o que está diante dessas máquinas, diante dessas fibras ópticas, já não é um ser humano na sua complexidade, é um motor constituído por várias peças, numas das quais deve, a todo o custo, haver um defeito.

Neste frenesim racionalista, esquecemo-nos de que o corpo é governado pela cabeça. E a cabeça, entregue a si própria, sem pontos de referência, é extremamente frágil: as emoções devastam-na e tornam-na tão instável como uma extensão de água atravessada por uma tempestade. Pode ter-se mandado analisar, fotografar e investigar os recantos mais ocultos do nosso corpo e não se ter recebido um diagnóstico satisfatório.
Então, em vez de procurarmos a causa do mal-estar dentro de nós próprios, começamos a pensar que somos vítimas de qualquer coisa externa - qualquer coisa obscura e misteriosa - que a pouco e pouco nos vai afastando dos outros e nos vai obrigando a isolar-nos cada vez mais.
E se o médico nos tivesse dito, desde o início, uma coisa diferente? Se, em vez de propor que fizéssemos análises e colheitas, nos tivesse perguntado: "Por que é que tem uns olhos tão tristes? Que mágoa tem no coração? Quando foi a última vez que se deitou num campo e olhou para o céu através dos fios de erva? Quando é que ouviu o vento entre as folhas? Alguma vez sentiu gratidão pelo facto de existir e fazer parte desta extraordinária aventura que é a vida?"

O intelectual, Vulgo, "Cabeça"

Neste tipo de personalidade disfarçada, o nosso programa social leva-nos a sermos intelectuais e a desprezarmos as relações humanas intensas, especialmente porque são emocionais. Muitas vezes, a pessoa que assume o papel de "intelectual", tem medo das suas emoções e sente-se mal com elas por qualquer razão. Talvez tenha sido programada para as não mostrar, para pensar que o sentimento é fraqueza. Algumas vezes, também, a pessoa sente-se incapaz de se relacionar com os outros e de fazer amizades e, por isso, se refugia na sua pose de intelectual.

A "torre de marfim" do intelectual é também um refúgio comum da competição, própria das relações humanas. Os processos de aprendizagem são menos ameaçadores do que as pessoas. A sala de aula é preferível ao mundo frio e cruel que aprendemos a temer; as pessoas mais tímidas preferem ler sobre a vida a tentar viver. As estantes da livraria podem ser um refúgio contra as dores de cabeça do dia-a-dia; podem oferecer o consolo do isolamento e o prestígio de sermos estudantes. Podem ser uma fuga das responsabilidades sociais.

As pessoas programadas para o isolamento estão, na generalidade, mais inclinadas para as tarefas escolares ou profissionais do que às relações significativas com os outros. Em vez de admitir que é um eremita, excluído da sociedade, este jogador insiste em dizer que se dedica à aprendizagem de alto nível. Como consequência, este jogo de facetas livra-o de responsabilidades sociais, organizações, comités, de cumprir obrigações e de fazer amizades.
Não quero de todo, fazer uma acusação aos estudiosos, porque penso que uma coisa não implica automaticamente a outra. O verdadeiro estudioso dá contributos valiosos á sociedade, mas isso não o impede de ser uma pessoa humana, que vive plenamente.
Se soubermos distinguir ambas as situações e gerir as prioridades, facilmente conseguimos adquirir um esquema profissional, cognitivo, social e cultural bastante equilibrado.