quarta-feira, junho 27, 2007

Fico um pouco mais



Deixo que anoiteça para sentir novamente teus passos.
Mesmo sem a tua presença,
O meu corpo cumpre a promessa de não esquecer que esás presente.
Deixo-me ficar um pouco mais e as pulsações elevam-se.
Afinal, a tua ausência é mera discordância dos sentidos e teu toque estremece.
Sabe bem quando as respirações unem e tenha a certeza que existes para mim.

Deixo que amanheça para deixar de ouvir teus passos.
Mesmo sem a tua presença,
O meu corpo cumpre a promessa de não esquecer que voltarás
Deixo-me ficar um pouco mais e embalo-me no cheiro que deixaste ficar.
Afinal, a tua ausência é mera discordância dos sentidos.
E sabe bem ter-te sempre por perto...

sexta-feira, junho 22, 2007

Aqui, agora, agarra-a.


Agora sim é Verão. Sinto o calor a percorrer-me o corpo de uma forma perturbadora.

Já se janta ao ar livre e, mais tarde, quando vou trabalhar para o meu quarto, já não oiço o assobio da nortada que tenta entrar por baixo das janelas, só oiço o tiquetaque das falenas que chocam contra os vidros, atraídas pela luz. Cada estação tem os seus rumores; o tão decantado “silêncio do campo” é aparente: murmúrios, zumbidos, coaxares, gritos e cantos distinguem bem uma estação da outra.

A propósito do silêncio, damos por nós muitas vezes reflectindo sobre quem serão aquelas pessoas que aguentaram, como poucas, o derradeiro sabor do silêncio constante e tão monótono para alguns.

Quando vejo um certo tipo de pessoas, vem-me sempre à ideia a imagem de um molde de gesso pronto para receber uma coação de bronze. O molde tem os mesmos traços do negativo, daquilo que um dia virá a ser a estátua. Entretanto, porém, está vazio. Tem de se ser inimigo de si próprio para se viver a vida como mera representação.

Uma conhecida minha, procurando um pouco de paz e tranquilidade, dizendo-me até “Estou em crise, preciso de solidão e de reflexão”, veio à uns tempos passar uns dias a minha casa. Disse-me então, passado um ou dois dias, constrangida com o silêncio, que tanto procurava, e ansiosa por um momento de confusão e rebelia: “Eu vivo muito bem assim”, repetia quase histericamente, “não tenho problemas e sou feliz”. Onde estava a necessidade de reflexão? O que é que tinha sucedido? Teria tido medo? Ou o silêncio e a crise tinham sido palavras usadas um pouco ao acaso, para criar uma certa cumplicidade?

Essa felicidade de que tanto falava desfazia-se aos poucos como um verniz que estala com cada gesto que se faz com a mão. Como um pedaço de lodo num canto de um lago aparentemente belo. De cada uma das suas células brotava uma profunda sensação de gelo, ansiedade e medo. Ao ouvi-la falar, a certa altura, pensei: “Transformou-se numa pessoa cega, numa pessoa surda. E gaba-se dessa cegueira e dessa surdez.”

Quantas pessoas surdas, quantas pessoas cegas vivem à nossa volta? Quantas pessoas representam um papel, em vez de viverem? Por que é que o fazem, se as primeiras a viver mal são elas próprias? Provavelmente é porque a aceitação da plenitude da vida passa pela aceitação do mistério que a originou. O medo nasce da ignorância: da ignorância do sentido nasce a ignorância da direcção a tomar.

Os escultores partem os moldes dando-lhes uma pancada com um martelo. Perante as pessoas adormecidas, devia fazer-se o mesmo, bater palmas e gritar. “Acorda, a vida está aqui, agora, é tua. Em vez de fugires, agarra-a.”