O projecto aniquila o vazio
Desde a sua formação até hoje, a Terra já sofreu muitas mudanças, e as formas vivas conseguiram sempre, de uma forma ou de outra, sobreviver a essas mudanças, por vezes, drásticas. Mas a grande diferença que existe entre as modificações atmosféricas ocorridas em épocas geológicas remotas e as actuais, é que aquelas eram inerentes, se assim se pode dizer, ao próprio programa da natureza, ao passo que as nossas são externas, ou seja, produzidas por esse sistema "secundário" e autónomo que é a civilização humana.Não gosto da palavra "culpa", em vez dela prefiro usar o termo "responsabilidade". O sentimento de culpa pode esmagar-nos, ao passo que o sentimento de responsabilidade nos incita mais facilmente a agir.
Há mais de um século que a exploração económica e a destruição andam a par, e o homem é o único responsável por essa exploração e degradação do nosso planeta; em vez de cuidar dele como de um bem que lhe foi confiado, considera-se o rei, com liberdade para dispor a seu bel-prazer de tudo o que existe. Um rei que, no entanto, se esqueceu de que também vive do ar, de água e do alimento que lhe é fornecido pelos animais e pelas plantas, e de que, quando deixar de haver ar, deixará de haver água, e também ele, o rei, deixará de existir.
Não será que tudo isto possui uma arrogância insolente e louca?
Quando penso no período histórico que estamos a viver, vem-me sempre à ideia a imagem da linha de crista de uma cadeia montanhosa. o espaço é estreito, de ambos os lados há abismos, para não pormos um pé em falso temos de nos concentrar, continuar a caminhar, sem distracções.
A época das ideologias e dos grandes sonhos utópicos terminou. Em vez das ideologias e dos sonhos, surgiu um vazio e esse vazio mete medo.
Esse vazio pode ser preenchido seja com que for, com desperdício, com destruição - mais uma vez! - ou com um projecto.
Usa-se pouco esta palavra, que é tão bonita. No projecto não há a grandeza do sonho ou da utopia, o projecto é "doméstico", acessível.
O projecto constrói qualquer coisa, mas fá-lo lentamente, com paciência, responsabilizando-nos pelas nossas opções.
O projecto não promete uma ordem nova e extraordinária, e, precisamente por isso, está isento de exaltações e de fanatismos. O projecto não está ligado a povos, nações ou etnias, está ligado a indivíduos, o seu eventual fracasso não se pode atribuir à história, ao capitalismo, ao fascismo ou ao comunismo, mas apenas a nós mesmos.
O que significa ter um projecto?
Significa apenas imaginar uma forma diferente de viver e pô-la logo em prática sem delegar nada em ninguém, agindo simplesmente.
Na tal linha de crista, o projecto é a pequena faixa de terra em que pomos os pés. É pequena, mas pode aumentar. Quantos mais projectos há, menos espaço fica para o vazio. Acredito piamente nesta pequena-grande revolução, a revolução da responsabilidade individual.
De vez em quando, fecho os olhos e tento vê-la: não há hinos nem bandeiras, o que há são umas luzes minúsculas que se vão acendendo umas a seguir às outras. Não há faróis eléctricos, há tochas ou velas, chamas que oscilam, iluminando as trevas da noite em redor.


