segunda-feira, dezembro 05, 2005

A aberração do "Bonismo"

Tenho ouvido esta palavra ultimamente com alguma frequência e sempre que a oiço fico com a mesma cara inicial de estupefacção.
Realmente a palavra em questão é sim, de facto, "bonismo". E afinal o que é o "bonismo"?
Para ser sincera, não sei, não faço a mais pequena ideia.
Mas pensemos desta maneira...
Num dia já longínquo, uma alma muito cândida fez as seguintes equações: coração = mel; mel = bondade; bondade = sentimento inferior, donde "bonismo", ou seja, "simulação de intenções benéficas para iludir a credulidade popular". E, feliz com a genialidade da sua intuição, fui logo gritá-la aos quatro ventos.
Foi a partir desse instante que o espantalho do "bonismo" passou a andar nas páginas dos jornais, nos lábios dos locutores do telejornal, nas reportagens sociais, nas classificações dos livros.

Pensei então através de uma história verídica que li sobre o fracasso de uma vida, sobre a superficialidade dos sentimentos convencionais, sobre a dificuldade de se contactar com a verdade mais profunda da vida, a verdade de Espírito. Retrata a história de uma mulher confusa, egoísta, que só foi capaz de ceder à intuição do amor nos últimos dias, já à beira da morte. Há nela, desde o início, primeiro insidiosa e depois cada vez mais intensa, uma tensão, uma inquietação espiritual que culmina no encontro com o jesuíta. Esta mulher é, de facto, perspicaz, cruel, de uma crueldade que roça muitas vezes pelo cinismo, uma mulher capaz de dizer à neta que a mãe, já falecida, "não era inteligente".

Uma pessoa "bonista" e amorosa seria capaz de dizer semelhante coisa? Custa-me a acreditar. Onde está, portanto, a tão difamada avozinha de puxo na cabeça, que passa a vida a tirar biscoitos do forno e a dizer tolices à netinha que está longe?
Por mais que me esforce, não consigo vê-la.

No livro existe a seguinte frase: "O coração é como a terra, meio iluminado pelo Sol e meio à sombra". Nunca descrevi o coração como um favo de mel, mas como o lugar da complexidade e da ambivalência humana, um lugar onde o mal triunfa muitas vezes sobre o bem. O mal faz parte da nossa natureza mais profunda; o mal é fácil, banal, espontâneo; o mal não requer esforço nem oposição. O mal é um atalho; o bem, pelo contrário, é um percurso. Um percurso solitário, escabroso, difícil, muitas vezes impopular; um percurso cheio de quedas.

Não há pessoas boas, o que há é pessoas conscientes, que aceitam seguir por esse caminho; pessoas que recusam a superficialidade do conformismo e as ciladas do preconceito, aquele preconceito que tantas vezes cresce vigoroso nos espíritos, ilusoriamente livres, dos chamados "anticonformistas".
O bem é uma coisa extremamente séria, porque o mal é uma coisa extremamente séria. Ignorar isto é condenar-se a viver na camada mais epidérmica e fátua da existência. Não se pode ser bom por moda jornalística, conveniência ou mera preguiça. A bondade é um caminho extremamente severo e, porque é severa, tem necessidade de ser discreta. E de ser forte, porque a bondade, tal como o amor, exige força, a grande, a imensa força do Espírito.

3 Comments:

Blogger JNM said...

A exigência do Bem é demasiada. Algo contaminado de mal já não é bem. É mal.
E ser bom não custa. Mas fazer o bem...?

Um beijo.

12/05/2005 8:18 da tarde  
Blogger Desconhecida said...

Pois é, fazer o bem nem sempre é facil, de facto. Não sei se somos todos maus, mas com certeza, todos temos, pelo menos a intenção, mesmo que não realizada, de uma ou outra vez na vida fazer uma maldadezinha. Quem nunca desejou uma maldadezinha a alguém? Quem nunca teve vontade de ser mau? Eu já, mas nem sempre consigo, mas juro que às vezes bem que queria ser má, muito má.

12/06/2005 1:27 da tarde  
Blogger Caracolinha said...

Sabes que cada vez que aqui venho fico deliciada ... já to disse inúmeras vezes mas nunca é demais... a facilidade com que falas de assuntos tão sérios como este deixa transparecer uma imensa capacidade de análise aliada a uma sensibilidade invulgar.

De facto, falar de bondade, e ainda mais nessa perspectiva e da forma que a abordas dá vontade de dizer-te ...não é para quem quer, é só para quem pode.

Só podes ser, de facto, uma BOA pessoa :))))

Beijoquinha encaracolada em carinho e admiração :))))

12/06/2005 9:56 da tarde  

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