segunda-feira, janeiro 23, 2006

A Eutanásia

"Desde sempre existiram doentes e anciãos, mas antigamente eram considerados um tesouro. Agora não passam de um estorvo, sendo muitas vezes abandonados pelos outros e vivendo sozinhos com a sua dor... E é só por isso que hoje se fala em eutanásia, quando no passado havia apenas o suicídio: o suicídio é uma decisão pessoal; a eutanásia acabará por ser uma imposição da sociedade.

Há em muitas cabeças uma noção da vida que é chocantemente pobre, desagradavelmente rasteira, tristemente vazia. Consiste em olhar para a vida de uma forma utilitária, com base numa concepção egoísta e em critérios apenas económicos: se uma vida não é útil - se não é produtiva, se não proporciona todo o prazer - então não tem razão de ser. Pode eliminar-se, como se elimina um automóvel velho ou sem conserto, um par de sapatos rotos, uma camisola demasiadas vezes remendada.

E nem sequer é nas pessoas muito doentes, ou nos idosos que estão perto da morte, que essa mentalidade é frequente. Não. É nos outros, nos que estão convencidos de que ainda vão ficar aqui muito tempo e se acham no direito de construir uma sociedade com regras que lhes parecem mais perfeitas do que as da natureza, livres de quaisquer critérios e valores que não sejam os económicos e os do bem estar.

A grande questão da eutanásia não consiste em se cada pessoa pode, ou não, ter a liberdade de escolher o seu destino. E também não reside em se uma pessoa pode pedir a outra que a mate.
É ainda pior do que isso: a questão está em que o triunfo desta visão utilitária da vida levaria à eliminação de pessoas que, não querendo elas mesmas acabar com a vida, são consideradas inúteis por uma sociedade que se tornou materialista (a decisão é transferida para os médicos e para os familiares, e para os parlamentos, que muitas vezes estão ansiosos por se verem livres de um fardo).

Assim é que desaparece realmente a liberdade de escolher o próprio destino, e as pessoas se tornam em objectos à mercê dos interesses económicos e dos falsos critérios de utilidade social.
É muito fácil aproveitar-se da extrema debilidade - física e emocional - de um doente terminal. Até para o convencer das presumíveis vantagens de uma "morte doce". Muito mais fácil do que proporcionar-lhe todo o apoio e carinho de que necessita para levar a vida até ao fim - sem desistir - e morrer com verdadeira dignidade.
A dor é também uma falsa questão. A medicina sabe tirar a dor, e o resto... aguenta-se. O pior é a solidão e o abandono. Isso é que é difícil de suportar. E tem uma solução bem simples... Bastaria que todos os que estão à volta do doente olhassem para aquela vida - para a vida - sem egoísmo."

4 Comments:

Blogger JNM said...

Assino por baixo.

Excelente este post, aliás como é hábito...

Beijo

1/25/2006 1:26 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

sou contra, seja ou não vontade da pessoa ou de outros..

1/25/2006 1:52 da tarde  
Blogger Desconhecida said...

Bom...este tema é dificil e controverso.Mas deixo aqui uma pergunta: Que dizer então do prolongamento do sofrimento? Sim, porque os doentes terminais, muitos deles (e as familias) estão em agonia porque hoje em dia tudo se faz para se manter viva uma pessoa. Não será também isso um crime? Porque não deixar então a natureza encarregar-se e deixar que a pessoa morra quando tem de morrer? Porque manter a todo o custo uma vida que se sabe que vai acabar? Porque manter em sofrimento o doente e quem o acompanha em prol das capacidades da medicina?
Há que ser menos egoista e pensar mais em quem está em agonia, pensar que provavelmente quanto mais depressa morrer, menos sofre.

É apenas a minha opinião...tudo depende dos casos.

beijo

1/25/2006 10:30 da tarde  
Blogger 100asas said...

desconhecida,

tocas um ponto muito importante: hoje em dia, graças ao avanço da tencologia, nomeadamente da tecnologia médica, tudo se faz para prolongar a vida... máquinas de alimentação artificial, maquinas de respiração artificial, pacemakers, diálises...

É realmente de louvar que o homem tenha evoluido tanto, tenha tido a capacidade de inventar e a possibilidade de reverter essas invençoes para se ajudar, para cuidar de si e dos outros, mas... até que ponto não estará ele a tratar do seu ego? até que ponto não estará ele a tentar, mais uma vez, fechar os olhos ao inevitável e, a qualqer custo, ignorar a morte? até que ponto não estará simplesmente a puxar o lustro à sua consciência, fingindo que assim se desculpa o sofrimento que permite ocorrer e permanecer?

Que custo valerá a pena pagar?

Quanto custará a dignidade?

2/01/2006 9:47 da tarde  

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