sábado, setembro 24, 2005

A hiper-protecção e o medo

Há uns anos atrás, precisamente no mês de Outubro, fui dar um passeio pela montanha com uns amigos. Na montanha, o Outono oferece, por vezes, dias extraordinários e, de facto, esse domingo era um deles. O céu estava límpido, o ar levemente agreste, os áceres e as faias alegravam a paisagem com os tons de vermelho, laranja e amarelo das folhas. A temperatura devia andar pelos 15/18 graus, uma camisa e uma camisola de malha eram mais do que suficientes para nos sentirmos protegidos.
Passados uns 20minutos de caminho, vimos à nossa frente uma família. Mãe, pai e dois filhos novinhos. Iam de fatos berrantes, pau na mão, e pareciam avançar a grande custo, como mergulhadores no solo lunar. Só quando os ultrapassámos é que percebi qual era o motivo. Estavam todos enfaixados em fatos de esqui acolchoados, mais próprios para os rigores de Inverno do que para aquele dia morno de Outubro.

Os miúdos levavam luvas e gorros de lã enfiados até às orelhas. Quando passei pelo mais pequeno, vi-o, cara roxa de calor, esboçar um tímido gesto de revolta e correr o fecho do fato. "Estás doido?", gritou-lhe logo a mãe. "Queres apanhar uma pneumonia? Não vês que estamos na montanha?" Por que é que me lembrei deste episódio?
Porque essa tal família não andava a passear para se deliciar com o grandioso espetáculo que lhe era oferecido pela natureza, mas para lutar contra o frio que se costuma associar à palavra "montanha". Não estava frio nenhum, mas eles lutavam na mesma. E provavelmente, ao 3º, 4º ou 5º passeio, aquele miúdo vai acabar mesmo por adoecer, não por causa do frio, mas pela forma imprópria e malsã como o obrigavam a lutar contra o grande inimigo inexistente.

Quantas vezes nos comportamos assim na nossa vida?
Quantas energias desperdiçamos para combater "monstros" que só existem na nossa cabeça?
E enquanto combatemos esses monstros, enquanto estamos distraídos, somos assaltados pelos monstros verdadeiros, aqueles que não tínhamos previsto. A vida civilizada habituou-nos a subestimar o grande poder do nosso corpo. Basta pensar, por exemplo, na vida dos nossos avós ou bisavós, na enorme dureza das suas existências, sem automóveis, sem electricidade, sem elevadores, etc., para percebermos até que ponto a imagem de nós mesmos se modificou. Agora, qualquer esforço, por mais pequeno que seja, aterroriza-nos. O corpo trabalha pouco e a cabeça, muito. Tenha sérias dúvidas de que a cabeça seja mais sábia do que o corpo.
Quando vou à piscina ou à praia, mete-me sempre pena ver a quantidade de crianças que já parecem velhas, sem brilho, sem alegria nos olhos. Há muitas, demasiadas, que são superalimentadas, são gordas e mexem-se com um certo embaraço. Olho para elas e penso: "Mas o que é que se passa? Será que não vêm o que lhes estão a fazer?". Penso que se devia tentar compreender rápidamente esta mudança.
Em suma, compreender porque é que se nota que as pessoas, logo desde a infância, se sentem mal consigo mesmas, são alheias ao seua próprio corpo.

Se crescem assim, é porque no terreno há uma falha qualquer. Qual será?

4 Comments:

Blogger Desconhecida said...

Nem sei que te diga ao ler que sou uma fonte de inspiração para ti...Obrigada! mais estranho ainda, pois nunca te tinha visto por lá...e, claro que apareço, já estás na lista das visitas diárias.

Bom fim-de-semana

9/24/2005 1:59 da tarde  
Blogger ManiacaDosPorques said...

Hmm... eu penso que já apareci uma ou duas vezes no teu blog a comentar mas com o nome de Kisa, que era o que tinha antes de formar o meu próprio blog.

Já visito o teu blog á algum tempo, mesmo antes de ter o conhecimento de qualquer outro.

Inicialmente só conhecia o do Hewaz, depois passei a conhecer o do Druantia e seguidamente o teu, no qual passei a visitar regularmente porque fascina-me a forma como escreves e venho sempre de lá extremamente enriquecida.

Ás vezes até começo a rir de como nunca tinha pensado nesse tipo de coisas antes...e eram de tão simples conclusão.

Bom fim-de-semana para ti também! ;)

9/25/2005 1:17 da tarde  
Blogger JNM said...

Uma vez era eu um míudo e estava em casa dos meus avós, no norte. O meu pai que estava a trabalhar no Porto na altur, foi visitar-me num fim de semana. Quando chegou, eu não corri para ele e ele passou por mim em direcção aos meus avós. Assim que os cumprimentou perguntou-lhes onde é que eu estava e eles disseram que eu era aquele rapaz todo sujo, descalço, cheio de nódoas negras, e arranhões... aquele que ele nem reconheceu.
Nesses dias eu fui MESMO livre. Os putos hoje nunca vão saber o que isso é. (mas eu espero que não)
Beijo.

9/26/2005 12:30 da manhã  
Blogger Rui said...

lá esta esse tua historia virá mesmo a calhar...
...um dia....
quando tivermos a meio do inverno e perguntares porque razao é que eu ando feito doido de t-shirt e calçoes, eu ai vou-te dizer que bastava uma t-shirt e tu estas toda encasacada!

ainda bem que eu não sou como a maioria dos nossos tempos!

xau xau!

9/29/2005 12:51 da manhã  

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