domingo, novembro 26, 2006

De volta - "Será que a Tv escandaliza a Infância?"

Passado um bom tempo de ausência em recolhimento, em constante trabalho, em construção intra-pessoal, decidi voltar e deixar novamente os meus pensamentos fluir. Sentir, comunicar, partilhar... o novo desafio.

As saudades assim o desejaram. Boa palavra... sim, de facto, é saudade que sinto, aquela tão dita palavra que não existe em mais nenhuma outra lingua e que significa algo tão puro e tão belo como o sentir, ansiosa e melancolicamente, a falta de alguem ou de alguma coisa. Mas este afastamento não foi de todo um mau presságio, foi apenas um sinal de crescimento interior pronto a ser revelado.

E com este novo sentimento, desafio, saudade...Vou começar por um texto que fiz numa aula de Português para publicar na revista da minha escola com o intuito de corresponder a uma crónica, que já tinha posto outrora, com outro contexto, aqui.

"Será que a Tv escandaliza a Infância?"

Podemos dizer que faz parte do senso comum a afirmação de que as pessoas, sobretudo as crianças, aprendem observando e imitando os outros.
Albert Bandura fez várias experiências que mostravam, através de um efeito de modelação, que determinadas crianças eram influenciadas nas suas reacções. As crianças dos 3 aos 6 anos (grupo experimental), observavam adultos que gritavam e pontapeavam um boneco insuflável num filme na televisão. Mais tarde, quando lhes foi dado um boneco insuflável e as crianças começaram a brincar com ele, apresentavam duas vezes mais respostas agressivas do que o outro grupo de controlo que não tinha assistido ao filme violento e agressivo.
No mundo dominado pelos meios de comunicação social, muito se aprende através da observação de programas transmitidos na Tv e no cinema e, portanto, crianças inocentes que não saibam filtrar a informação, vão sugar tudo o que lhes é dado sem qualquer tipo de discernimento e independentemente de a conduta ser ou não socialmente desejável.

Por este facto, pensando, agora, nas épocas onde as crianças viviam sem televisão ou utilizavam-na de uma forma drasticamente limitada, pensando na sua curiosidade, na sua vivacidade e na sua abertura ao mundo, é aterrorizador a empatia que se criou nos nossos tempos.
A modernidade, e tudo o que isso comporta, é um dos tabus do nosso tempo, e opor-se a esse tabu gera sempre críticas pouco benévolas. Mas mais grave do que escandalizar as críticas, é escandalizar a infância.

E o que é escandalizar a infância? A infância contém em si uma grande fragilidade e uma grande força, e mais que tudo essa fragilidade deve ser protegida. Todavia, já se perdeu esse sentimento de protecção; já ninguém protege ninguém e as crianças, abandonadas sem qualquer controlo ao pior que a cultura humana tem sabido exprimir, estão reduzidas a míseras paródias de já míseros adultos, reduzidas a cativantes anúncios televisivos, com o seu poder de atracção e sedução, tal como a programas manipuladores, sem ter qualquer tipo de selecção da informação. Ver tudo, saber tudo - quando esse tudo corresponde em grande parte a violência, vulgaridade, prepotência - não faz bem à criança, não a torna mais forte, nem mais preparada para a vida.

Escandalizar as crianças é apresentar-lhes um mundo sem luz, sem alegria, sem poesia. É apagar nelas a esperança, a capacidade de imaginarem um sentir diferente daquele que lhes é imposto. É entregá-las a um mundo que já decidiu o que vai fazer delas: compradores-imitadores, imersos num universo cinzento e desprovido de qualquer horizonte, onde a única lei que vale é o prazer e o direito individuais.
A televisão é a rainha incontestada do nosso país. De manhã até à noite, instala-se ruidosamente nas nossas casas com programas que, na maior parte dos casos, são cada vez piores e cada vez mais estúpidos; instala-se nas primeiras páginas dos jornais, ocupando muitas vezes o lugar de notícias muito mais importantes.

Apesar de já existirem estudos autorizados sobre o mal que uma televisão assim concebida pode fazer - e sobretudo às crianças -, continua a ser arriscado afirmar que se é contra a televisão. A televisão, afirma-se, é neutra, é um instrumento e é como instrumento que deve ser considerada; não é verdade, apregoa-se, que a televisão uniformiza ou perturba as crianças, pelo contrário, estimula-as, enriquece-as, torna-as mais conscientes e senhoras da época em que vivem. " O meu filho", proclama com orgulho um jornalista entrevistado num programa cientifico, "adora a televisão. Passa da Tv para o computador como eu passava da bola para a bicicleta."

É assim que uma verdade parcial - a experiência do filho de um jornalista - passa a ser uma verdade universal: a televisão faz bem a todas as crianças. Esquece-se que a maior parte das crianças vive diante do ecrã em estado de total abandono, sem qualquer tipo de explicação, de aconselhamento, de acompanhamento, sem qualquer tipo de alternativa. Se continuar a ser a única mestra, o único altar consagrado pelas crianças, a televisão educa para a passividade, matando o desejo de explorar, de saber, a curiosidade. Quando deixa de haver curiosidade, surge inevitavelmente o tédio. Que vida é uma vida atormentada pelo tédio? A quem se poderia desejar? Às novas gerações?